PASSEIO PELA ESTRADA DA MORTE
Campo 9 amanheceu agitada nesta manhã de sábado, tanto que havia até guardas de trânsito nos poucos cruzamentos da cidade. Após uma mal-dormida noite (barulho, calor, pernilongos…), fui até a loja da Personal saber porque não conseguía enviar mensagens do meu celular (estava sem crédito, incrível: eles haviam simplesmente evaporado) e já caí na estrada, a famigerada Ruta 7.
Sendo cedo, o sol ainda preparava-se para em pouco tempo luzir com todo o seu esplendor. E entre motocicletas e micro-lombadas transversais no acostamento, segui para cumprir os 35 kms que me separavam de Caaguazú, uma cidade do departamento de mesmo nome.
Mal começava a pedalar e um pai de família, com sua van parada na lateral, me pedia para posar em uma foto com todos os presentes: sua esposa e dois filhos. Sorri meu melhor sorriso porque sinto-me prestigiado com gestos iguais a esse. Faço-o com prazer. E entreguei-me então ao aguardado deleite dos cicloturistas: pedalar sem pressa rumo a algum ponto mais além.
De incidental, apenas um quase imperceptível tlec-tlec na roda dianteira. Raios! Quero dizer, raios literalmente… E se tem algo que aprendi nesta vida de bicicloturista é que raios desapertados devem ser apertados ao primeiro sinal de desaperto, sob pena de meterem-lhe em apertos futuros, ao finirem por desapertar os vizinhos. Se é que me explico… Nada que uma parada à sombra de um posto de gasolina não resolva.
E então segui com calma, apreciando a fabulosa quantidade de memoriais aos mortos que jaziam a beira da estrada (obviamente os memoriais, não os mortos). Deles os havia de toda forma e qualidade, dos mais humildes…
… aos mais elaborados.
E a soma deles todos revela uma verdade assustadora: estamos em uma estrada assassina. Não é de se estranhar: coisa comum é ver motocicletas sem placas, sendo conduzidas pelo acostamento por pilotos sem capacete. Muitas vezes por crianças e outras vezes com 3, até 4 pessoas a bordo. Mas se trafegam pelo acostamento é porque “se andar pelo asfalto, morre”, segundo me conta Rogério, um brasileiro que por acaso encontrei.
Ele é dono de uma pequena e bem montada venda à beira da estrada. Mora há mais de 30 anos no Paraguai, mas ainda fala bem o português. É casado e pai de 3 filhos. Abriu o negócio após haver falido no ramo de gado leiteiro. Agora diz que está estável, apesar de já ter sido assaltado ali e no episódio perdido o equivalente a R$ 5.000,00.
” Aquí os ônibus e caminhões não respeitam motocicleta. Eu mesmo tenho duas e só ando pelo acostamento. E se usar capacete todo mundo faz gozação”.
Agradeço, despeço-me e prossigo, a esta altura já um tanto mais preocupado com o trânsito, ainda que eu também só ande pelo acostamento. Não quero tornar-me mais um tumulozinho simbólico à beira deste asfalto.
Escaldante, por sinal. E eis que nos aproximamos do nosso destino para hoje… aqui e ali os primeiros sinais de que uma cidade maior se aproxima, uns subjetivos, outros eloquentes…E enfim passamos defronte à Rodoviária de Caaguazú.
Mais um contorno à esquerda, no trevo, e chegamos.
Após uma curta busca, instalo-me no glorioso Hotel El Triunfo, que me cobra apenas 20.000 Gs (uns R$ 10,00) por uma noite num quarto sem banheiro. Excelente!
E vou para o tanque dar vazão ao meu lado doméstica molhando, ensaboando, esfregando, enxaguando, torcendo e pendurando várias peças de roupa, um par de tênis aí incluído. Só não qüarando porque não é o caso.
E agora não falta mais do que uma ducha fria e sair por aí, apreciando o que acontece neste pedaço de chão da América do Sul. Que é para isso que estamos nesta aventura.
RESUMO CICLÍSTICO :
DATA: 26. Novembro. 2011 / Sábado
LOCAL: Caaguazú, Caaguazú (Paraguai), ALTITUDE: 313 m
PAISES: 2
POUSOS: 24
TEMPO: Dia muito ensolarado
TEMPERATURA: 20ºC a 33ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 35 (Dr. Juan Eulogio Estigarribia a Caaguazú)
MÉDIA: 10 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA: 52 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 08:30 hs / 12:00 hs
OCORRÊNCIAS: nada
TOPOGRAFIA: plano
CONDIÇÃO FÍSICA: Excelente
DIAS DE ESTRADA: 85
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 65
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 1.471 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 1.471 km
ÉLCIO, AMIGO, É EMOCIONANTE VER ESTA TUA CAMINHADA, ESTA TUA FORÇA DE VONTADE. MUITO LEGAL E CONTINUO ACHANDO QUE ESTA TUA AVENTURA VAI DAR MUITO O QUE FALAR!
FORÇA!
RICARDO, MÁRCIA, JULIA E FELIPE
Que bom, Ricardo. Você é um cara de quem as visoes respeito muito. Abracao.
ALGO ME FAZ LEMBRAR UM POUCO O VELHO OESTE AMERICANO COM JHON WAYNE. IMAGENS ESPETACULARES, QUANTOS TUMULOS! ASSIM PODEMOS CONHECER MELHOR NOSSOS ERMANOS PARAGUAIOS, SUAS TRADIÇÕES E SUA HOSPITALIDADE. VA EM FRENTE ELCIO QUE NOS TE ACOMPANHAMOS. QUE DEUS TE ABENÇÕE E PROTEJA.
Até aqui, estar no Paraguai tem sido muito legal, Sadi. Só encontro gente (muito) fina no meu caminho. Abs
Hola Elcio, me alegra que estés bien. Despacio pero seguro para andar siempre. Una pequena corrección, la capital del Departamento es Coronel Oviedo y no Caaguazú. Abrazos.
Ops, Rafael. Gracias por decirmelo. Ya esta corrigido. Abz
Quero fazer um protesto! Tem uma coisa muita chata nesse Blog! Que é quando o texto acaba e eu tenho que aguardar até o outro dia. he he
Panchito, obrigado pela imerecida bajulacao. Mas a tendencia é piorar, quando chegar pra la de Asuncion e comecar a Argentina. Pelo que vejo no mapa nao tem nada por centenas de quilometros… entao terei de fazer pausas intermediarias no meio do nada e nao vou postar diariamente, como vinha fazendo. A menos que até lá consiga um patrocínio que cubra os custos de navegacao internetal por satelite hehe. Abs transcontinentais
Espero que não seja uma pequena amostra dos problemas que o amigo vai encontrar. Talvez no Chile a realidade seja um pouco melhor.
Não posso reclamar, Renato. Com certeza em Bangladesh o cicloturismo é bem mais desafiador…
Elcio oiii!
São caminhos como esse que fazem a gente pensar!
Engraçado como muito de mim mudou por conta da sua aventura, hoje me peguei combinando com meus sobrinhos uma aventura de acampamento que outrora jamais me poria no meio, como são as coisas né? Sua aventura me traz de volta o desejo por viver experiências mais simples (apesar de gostar de bons hotéis claro), falei de você na roda de amigos dessa noite, e me pego entusiasmada com sua façanha e coragem, quando vejo, já estou praticamente dando uma paletra de Rodas Livres no bar em meios às cervejas e petiscos rsss
Pois é, você me faz querer viver uma vida mais intensa e livre… Obrigada pelos incentivos que me dá mesmo sem perceber!
Vou acampar com meus sobrinhos e amigos, e devo isso a você! 🙂
Beijo e fica com Deus!
Óia só… e eu que nem acampar acampo… É issaí, Vera, quem fica parado é poste e a vida é curta. Se joga, mulher (falar é fácil, né?) hehe bj
Nunca é fácil, mas necessário!
Assim como você vou avançando e rompendo limites sejam eles quais forem 🙂
Beijo
Tá abusada, hein Vera?
Elcio, 1471 kms em 85 dias!!!! Média de 17 kms/dia. Não está na hora de aumentar o rítimo?
Nem é que eu pedale pouco, Roberto… é que eu paro muito. Meu negócio não é apenas pedalar, mas achar e gravar reportagens… e isso demanda paradas constantes. Então fico mais parado do que pedalando e a média vira essa merreca aí… Mas só quem tá com pressa são os garupeiros hehe. De qualquer maneira, uma vez em território argentino isso deverá mudar naturalmente, pela simples razão de que lá praticamente não haverá cidades para se parar.
Super Élcio, sem desfazer de sua saga até aqui, mas a agora é que começo a sentir o clima de volta ao mundo. Motoristas malucos nos ermos paraguaios… Cidades com pinta de faroeste… Como dizemnos filmes, that’s the real deal!
É, Augusto. Mas, estranhamente, olhando daqui de dentro… tudo parece normal hehe
Arabal vá se preparando para a pausa natalina.
Cultura inútil: Em uma tradução livre, Caaguazu seria Mato Grosso?
Hehe… ou isso ou “Matão”.
Elcio
Recomendação ao amigo Roberto Rosso.
Ando devagar porque já tive pressa…
Almir Sater e Renato Teixeira
http://youtu.be/OuiNZpLwJfQ
Abraços
O Roberto é outro que leva o cicloturismo a sério. Tá certo. Mas eu tô sempre em falta com esse povo. 🙂