\\ Blog diário de bordo

11 Feb 2012

REFLEXÕES AO CAIR DA TARDE

Villa Florida é uma localidade diferente das demais que havia visto no Paraguai.

Não encontrei algo como “a rua do comércio” ou coisa parecida.  A cidade tem dentro de si verdadeiras zonas rurais.  Muito bonito.

Quando a noite chegou, sentei-me no banco de uma praça que mais parecia um parque, sob um céu referto de estrelas, e fiquei na dúvida entre pedalar na manhã seguinte 34 ou 64 quilometros, até San Juan Bautista ou até San Ignacio Guasu, respectivamente. Decidi que decidiria pela manhã, mas estava mais propenso a pedalar 64, porque 34 é muito pouca coisa.

Para o jantar, descolei uma tenda que vendia pizzas. E após as 21hs pouco havia para eu fazer, já que não me sentia como parte integrante da molecadinha que dava-se ao trottoir com suas motocicletas.  Assim, titio recolheu-se.  Na hora de colocar o smartphone para recarregar, uma surpresa:  os dois buracos da tomada eram redondinhos, daquelas antigas.  Busquei na minha parafernália por algum adaptador que pudesse salvar a situação e nada encontrei, de forma que no dia seguinte haveria energia para somente poucas fotos…

Como já vem se tornando hábito, dormi sob as pás girantes de um ventilador, o que não impediu que uma turba de pernilongos vorazes sugassem meu sangue durante o escuro da noite.  Acordei me coçando todo e a solução foi aumentar a velocidade da hélice.  Aí sim não mais houve comandante que conseguisse realizar o pouso…  Covardes.

Clareia o dia, fico na cama até às 8 para compensar a hora perdida na madrugada.  Ao fazer menção de pagar, a proprietária do estabelecimento me convida a sentar e saborear o desjejum.  Oba, isso aquí tá melhorando.  E não é que tava gostoso?  Café com leite, pãezinhos, uma manteiga que parecia requeijão e goiabada.  Já estou me desacostumando dessas mordomias matinais, mas quando as há é deveras um prazer saboreá-las.

Despeço-me, a senhora me deseja suerte! Empurro a bicicleta até o acostamento da pista oposta, persigno-me e dou a pedalada inicial do sábado. Acordei hoje de bem com a vida, para compensar o baixo astral de ontem, e penso em cobrir os 64 kms que me separam de San Ignacio. O sol brilha forte, mas há vento e isso faz toda a diferença.

Já de saída encaro uma reta que não tem mais fim, e vou apreciando os animais que a habitam.  Muitos pássaros, e algumas majestosas aves de rapina pousadas nos mourões, que meu  limitado zoom digital não dá conta de ir buscar.

A pedalada transcorre tranquila.  Após 15 kms atinjo San Miguel, um charmoso povoado cuja especialidade são as tapeçarias.

Muitas redes coloridas alegrando as laterais da estrada…

E com o dobro dessa distancia chego a San Juan Bautista, onde minha primeira e urgente tarefa é dar um jeito de cambiar alguns reais, porque com os Gs. 10.000 que tenho no bolso não logro sequer almoçar.  Consigo logo corrigir o erro ao encontrar uma revenda de carros que se dispõe a comprar minhas cédulas brasileiras.  Mas se em Asunción consegui Gs. 2.500 por real, aquí só me pagarão Gs. 2.400.  Beleza, quem mandou não monitorar a grana paraguaia disponível?  Afinal, quem vai ao mar, avia-se em terra…

Pedalo um pouco mais e adentro o centro da cidade.

A bicicleta jamais passa despercebida.  Encosto-a na fachada de um restaurante e almoço em paz.  Ou quase, já que um senhor – provavelmente com  problemas mentais – após analisar detidamente o meu veículo vem colar o nariz à janela e quer analisar a mim também. No início, ignoro.  Depois de dez segundos desta cena insólita, porém, não tenho dúvidas e giro a cadeira de forma a dar-lhe as costas.  Somos ambos imbecis.

Volto à estrada nutrido e resoluto.

Vou dobrar a distancia já percorrida e atingir San Ignacio.

A meu lado, à esquerda e à direita, fazendas imensas…

… mugifúndios verdejantes (estão cheias de muares, seriam latifúndios se fosse de cães).  Noto que nesta estrada quase não há nichos, aqueles pseudo-tumolozinhos que marcam os locais onde pessoas morreram.  Em contrapartida, impressiona-me a espantosa quantidade de animais que encontro desanimados pelo acostamento.  Gatos, cães, sapos, aves… até uma vaca inteira.  Não sei como explicar esse fenômeno, são muitos mesmo…  chupa-cabras? ETs?  O mais provável, porém, é que as estradas paraguaias sejam definitivamente perigosas, tanto para os humanos quanto para as demais formas de vida.

Após vencer inúmeras subidas, começo a querer chegar…  Aliás, é engraçado como ao ver um longo aclive meu cérebro sempre acha que este será o último e que depois a estrada se tornará plana.  Apenas para chegar ao final e já avistar outro, e mais outro… Não sei como ainda consigo ludibriar-me com esta ingenuidade mental após quase 2000 kms rodados, mas é inevitável.

São coisas nas quais vou pensando enquanto as pernas ocupam-se da repetitiva atividade de pedalar.  Pela mente indistintamente passam tanto questões comezinhas quanto problemas filosóficos.  Por exemplo…

Aqui no Paraguai, a polícia que responde pela segurança do asfalto é a Policía Caminera…

… no Brasil, esta tarefa é do âmbito da Polícia Rodoviária…

…e na Itália quem se encarrega desta missão é a Polizia Stradale…

… então pergunto:  quem faz melhor?  Quem se preocupa com os caminhos, com as rodovias ou com as estradas?

Outro exemplo:  o verbo “estirar”…  Aqui no Paraguai significa “puxar” (uma porta), no Brasil significa algo como “esticar” e na Itália (stirare) significa “passar roupa”.  Ora, são coisas muito diferentes… Pergunto:  quem tem razão?

Enfim, são questões profundas como estas que ocupam este cérebro quando já  vou me aproximando de San Ignacio, onde finalmente paro e descolo um hotel.

A atendente me informa o preço e o cobra adiantado.  Pago-o e subo para o quarto, não vendo a hora de chafurdar-me numa ducha e… surpresa… não tem água.

Visto-me novamente, desço à recepção, reclamo e ela candidamente me diz. “É, tá sem água”.

– Y no me avisas?  Me has cobrado normalmente!!

– És que no hay água en todo el barrio…

– Pero yo lo que mas quiero és tomar una ducha…

Digo isso já me encaminando para a geladeira, onde pego uma garrafa de água mineral de 1,5 L e digo …

– Quiero un descuento, puedes ir piensando en quanto…

E assim, armando barracos na recepção, tomando banhos de água mineral gelada e martelando este teclado filho da puta que para de acentuar corretamente no meio do texto, sigo reportando a dor e a delícia de fazer mais um dia do Projeto Rodas Livres.

 

 

RESUMO CICLÍSTICO:

DATA: 11. Fevereiro. 2012 / Sábado
LOCAL: San Ignacio Guasu (Departamento Misiones, Paraguai), ALTITUDE: 124 m
PAISES: 2
POUSOS: 32
TEMPO: Dia quente
TEMPERATURA: 30ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 62 km (Villa Florida a San Ignacio Guasu)
PAVIMENTO: Acostamento asfaltado, com lombalditas
MÉDIA: uns 11 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA: 48 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 09:00hs / 15:00hs
OCORRÊNCIAS: nada
TOPOGRAFIA: grandes elevações
CONDIÇÃO FÍSICA: Boa.
DIAS DE ESTRADA: 98
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 72
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 1.837 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 1.837 km

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