\\ Blog diário de bordo

14 Feb 2012

AGUYJE, PARAGUAY

Chega a noite em San Ignacio e consigo encontrar defronte à praça uma pizzaria, na qual sacio meu desejo de sentar-me à mesa e saborear de um jantar regado a cerveja.  Melhor do que isso para um sábado à noite, só se houvesse com quem conversar.

No domingo saio cedo para cobrir os 61 kms que separam San Ignacio de General Delgado.  O dia se passa sem muito o que observar, salvo o fato de que o sol queima inclemente durante toda a jornada.  Pela hora do almoço, ao atingir San Ramon, desespero-me ao constatar que a localidade é tão pequena que não há nada aberto onde comer.  Encontro apenas uma venda, onde um grupo de pessoas conversa em torno a uma mesa, sob a varanda.  Pergunto à mulher…

–  Señora, ¿eso és un comedor?

Ela hesita para responder e por fim diz:

–  Hay solo empanado de pollo.

Feliz pelo fato de que há algo, pelo menos, consinto:

–  Que sea.

E ela me serve uma coxa de frango empanada velha, fria e horrível.  Por sorte a lauta refeição vem acompanhada da infalível mandioca cozida, que é o que salva.  É nessas horas que o cicloturista incauto sente saudades da civilização.

Sigo! Como tem sido ultimamente, nas laterais da estrada apenas fazendas a perder de vista.

Para fazer a bicicleta render um pouco mais deixo o acostamento e suas lombalditas e vou pela pista.  Mantenho-me na extrema direita, por sobre a faixa branca, mas perfeitamente consciente do risco que ainda assim corro.  Ao contrário do que se poderia imaginar, o perigo vem de frente.  Esta é uma estrada de apenas duas pistas, sem lei, onde máquinas modernas passam a velocidades absurdas.  Meu maior medo é dar de frente com algum apressado que esteja efetuando uma ultrapassagem sem a devida atenção a uma pequena bicicleta trafegando no sentido oposto.  Numa colisão frontal, não terei chances…

Mas enquanto não morro vou apreciando o fato de que aqui, no departamento de Misiones, os jesuítas não deixaram barato e monopolizaram a toponímia… só tem nome de santo.  Senão vejamos: San Juan Bautista (capital), San Ignacio, San Miguel, San Patricio, Santa Maria, Santa Rosa, San Ramon, Santiago, Santo Elcio… ops… esse não, me empolguei.

Entro no departamento de Itapúa…

… e como sempre ocorre sou saudado por inúmeras pessoas.  E alguns grupos mais exaltados chegam mesmo a pedir que eu pare.  Querem fazer fotos ao meu lado.  Anti-social como sou, às vezes isso me incomoda, porque me obriga a inaterromper a marcha.  Mas tento domar esse meu lado selvagem e abrir um sorriso sincero.

Ao chegar ao destino…,

… constato que aqui não há internet.  Hoje não haverá post nem comunicações.  Que Deus me perdoe, mas começo a ficar com o saco cheio da precariedade do Paraguai.

Uma vez instalado, não tenho vontade de conhecer General Delgado.  Até porque o “Parador San Lorenzo”, onde me hospedo, encontra-se ao final da cidade… ou seja, ao atravessá-la já a conheci.  Desisto de caminhar e assim fico no quarto o tempo todo, só saindo para jantar quando o sol já baixa no horizonte.  A parte legal é um telefonema da Claudia, que restabelece a conexão do mundo onde me encontro com o mundo ao qual  pertenço.

Chega a segunda-feira e com ela a necessidade de partir uma vez mais.  Hoje será a última pedalagem em terras paraguaias, pois ao final terei atingido Encarnación, na fronteIra com a Argentina.  Também será um desafio para mim, que ando meio fora de forma… serão 80 kms debaixo de um escaldante sol tropical.  Parto.

Segue a estrada…  interminável.  Vejo passar uma das características do Paraguai que me agradam: cemitérios sem muros.

É uma forma dos mortos se sentirem mais em contato com a sociedade.  Alguns deles devem ser mais sociais do que eu.

Mais à frente, passo batido por Coronel Bogado.  Se não são nomes de santos, são de militares…   Aqui é maior do que General Delgado, mas ainda é muito cedo para o almoço.  Estou pedalando por apenas 30 kms.  Deixo para comer um pouco mais adiante.  E então deparo-me com um bonito cenário aquático…

… logo após o qual encontra-se a localidade de Carmen del Paraná.  Paro em um estabelecimento e, meio traumatizado pela experiencia do dia anterior, é com receio que pergunto à mulher:

–  Señora, ¿eso és un comedor?

–  Si, señor.

–  ¿Y que hay para el almuerzo?

E saboreio um prato que muito me agradou: putchero.  Hoje dei sorte.

Volto à estrada, faltam ainda 40 kms.  Não creio que isso será fácil, mas há que cumpri-los.

Vou parando de tanto em tanto, sorvendo garrafas e mais garrafas de água mineral.  Invisto em água mineral porque tenho medo de reações entéricas indesejáveis caso beba águas mal tratadas.  Apesar desse meu medo, houve um momento em que tive de abrir um precendente.  Estava subindo uma longa rampa, já empurrando a bicicleta, quando comecei a sentir-me mal. Não havia uma sombra, o coração estava muito acelerado e passei a sentir medo de tostar a moleira e ter um piripaque sério em pleno acostamento. Foi como um princípio de pânico pelo calor. Vislumbro uma árvore uns 100 m adiante e sigo devagar, tentando administrar o psíquico e a pulsação cardíaca.  Ao chegar, espanto um bando de vacas que estava do lado de dentro da cerca.  Por acaso, o proprietário chega numa pequena moto, seu filho à garupa.  Pergunto-lhe se sabe se há alguma venda adiante onde eu possa comprar água gelada, que a minha já está quente.  Ele ordena ao garoto que leve minha caramanhola lá para dentro e que busque a água do poço.  E em breve o guri retorna com a caramanhola cheia de água de poço geladinha e ainda uma pedra de gelo na outra mão, que imediatamente guardo dentro da outra caramanhola.  São sempre muito agradáveis estas interações.

Por fim, após muito pedalar, do alto de um morro avisto um aglomerado de edifícios ao longe.

Penso ser Encarnación.  Animo-me.  Está longe, porém já visível.  Sigo pedalando e atinjo uma grande ponte por sobre o majestoso rio Paraná.  Daqui a vista é magnífica.

Que grande rio é o Paraná! Estou feliz por ter chegado, ainda que ainda tenha de pedalar até encontrar algum alojamento.

Entro em Encarnación…,

… pensó em encontrar o Albergue da Juventude, onde preferiría instalar-me, mas sequer estou seguro de que aqui haja um.  Cruzo as ruas do centro da cidade, só pensó em parar.  Entro num hotel, aproveito da conexão wi-fi para tentar checar em meu Smartphone se por aqui há Albergue da Juventude.  Não acho nada e então faço o check-in ali mesmo.  O hotel mais parece um daqueles presídios de 3 andares… mas vai quebrar o galho.

Após uma ducha providencial, recuso-me a cair na cama (porque senão adormecerei) e então mesmo cansado saio para dirigir-me à Avda. Costaneira, às margens do rio e onde se encontra a Playa San José.  Ao chegar agrada-me o que vejo.

A Praia fluvial de Encarnación é mesmo uma praia, ainda que artificial.  Tem areia, tem quiosques, tem calçadão, tem muita água e muita gente.

Sento-me num dos quisques sobre a areia e peço uma cerveja.

O sol poente ainda brilha forte, no alto-falante música que percebo ser argentina.  Só então me toco que os grandes edifícios que via de longe não são Encarnación, mas Posadas, na margem argentina do rio.  Vejo que lá é uma cidade bem maior.  Há muita gente divertindo-se, a tarde está linda.  Emociono-me à vista de tanta vida.  Estou feliz por estar aqui, e por ter chegado pedalando.  O Paraguai acabou e com ele uma parte desta aventura.  Não sei até onde irei, mas sentado aqui nesta praia de sol alaranjado sinto já ter valido a pena cada metro do caminho.

 

 

RESUMO CICLÍSTICO (anteontem):

DATA: 12. Fevereiro. 2012 / Domingo
LOCAL: General Delgado (Departamento Itapúa, Paraguai), ALTITUDE: 115 m
PAISES: 2
POUSOS: 33
TEMPO: Dia quente
TEMPERATURA: 29ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 61 km (San Ignacio a General Delgado)
PAVIMENTO: Acostamento asfaltado, com lombalditas
MÉDIA: uns 11 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA: 45 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 09:00hs / 14:30hs
OCORRÊNCIAS: nada
TOPOGRAFIA: grandes elevações
CONDIÇÃO FÍSICA: Boa, mas com tosse
DIAS DE ESTRADA: 99
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 72
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 1.898 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 1.898 km

 

RESUMO CICLÍSTICO (ontem):

DATA: 13. Fevereiro. 2012 / Segunda-feira
LOCAL: Encarnación (Departamento Itapúa, Paraguai), ALTITUDE: 60 m
PAISES: 2
POUSOS: 34
TEMPO: Dia quente
TEMPERATURA: 30ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 78 km (General Delgado a Encarnación)
PAVIMENTO: Acostamento asfaltado, com lombalditas
MÉDIA: uns 10 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA: 48 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 09:00hs / 17:30hs
OCORRÊNCIAS: nada
TOPOGRAFIA: grandes elevações
CONDIÇÃO FÍSICA: Boa, mas com tosse
DIAS DE ESTRADA: 100
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 72
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 1.976 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 1.976 km

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