\\ Blog diário de bordo

17 Feb 2012

ADEUS, GPS

Ontem à noite saí para bater pernas pelo agito de Posadas, como tenho feito nos últimos dois dias. Fui à praça principal, a Plaza 9 de Julio, e fiquei zanzando até que acabei por travar amizade com o Vento Voj, o cara que fazia as pinturas a spray que me agradaram na noite anterior.

Ele é uma figura, chileno que já rodou a Europa graças à sua arte universal. Diz que agora quer ir conhecer o Brasil.  Incentivei-o.

Daí fui até a Plaza Republica del Paraguay, que fica num ponto alto por sobre a Avenida Costaneira e o Rio Paraná.  Dali se pode ver o povo fazendo cooper na moderna avenida, abaixo, bem como as luzinhas da margem oposta do rio, em território paraguaio.

Aproveitei para jantar uma pizzeta num dos bares da região.

Hoje pela manhã, enquanto tomava meu desayuno no bar do Hostel La Aventura, fui abordado pelo Paulo, que é um dos organizadores dos eventos dos Bodes do Asfalto, uma tribo de motociclistas de Curitiba (aliás, acho que esse é meu futuro…).  Ele abriu seu notebook e estudou comigo o caminho a percorrer a partir dali, mas na verdade eu já havia passado o dia de ontem quase inteiro analisando no Google Maps qual rota faria. De qualquer maneira, fiquei muito grato a ele.

O único problema é que isso acabou por me desconcentrar e saí sem pagar pelo café.  Só fui me tocar mais tarde, quando já não era mais o caso de voltar.  Sorry, Suzana, fico te devendo essa.

E saí pedalando pelas ruas de Posadas de acordo com o estudo prévio. Assim saí da cidade certinho, tendo ido cair na RN (Ruta Nacional) 12, uma estrada complicada, trânsito pesado e nada de acostamento.  Mas em breve já derivava para a RN 105, bem mais civilizada. Parei num posto e calibrei a pneuzada… 60 libras em ambos.

E vim-me embora para o primeiro dia de “deserto verde”, de um total programado de 15 até Buenos Aires. Pusssssta sol.  Agora sei porque os caras tem um sol na bandeira.

A canícula castigava impiedosamente, e eu tinha 53 kms para perfazer antes de chegar ao destino do dia: San José.  De quando em quando parava debaixo de uma árvore…

… para beber água (quente) e passar protetor labial…,

… que meu lábio já andou rachando por conta do calor excessivo. Numa dessas paradas percebi que havia perdido a válvula do meu tubo de gás de pimenta, tornando-o virtualmente inútil.

É uma pena… contava com ele para uma emergência extrema, sobretudo contra algum cão mais abusado.  Talvez ainda consiga uma válvula substituta dia desses…  por isso não vou jogá-lo fora. E fui navegando por uma estrada que parecia mesmo um oceano de subidas e descidas. Deeeessscccee…..  soooobbbbbeeee…… prá descer a alegria dura pouco.  Prá subir, a velocidade não chega a 5 km/h e a pedalada pode levar looongos minutos.  É injusto.

Só sei que, prá variar, teve hora que já não tava mais aguentando.  Fico mal mesmo, com taquicardia e o corpo fervendo.  Às vezes sinto dores no lado esquerdo do peito. Não tendo o que mais fazer, o jeito é diminuir o ritmo e continuar, ou empurrar. Cicloturismo é bom mas tem um lado negro.

Quando faltavam 5 kms para chegar a San José, uma das cidades que julguei como “maiorzinhas”, a surpresa:  parei para conversar com os policiais da Gendarmeria e eles me informaram que lá não havia nada parecido com um hotel, não senhor.  Teria de pedalar não mais os 5 que esperava, mas outros 20 para chegar até Apóstoles, se quisesse banhar-me e dormir decentemente.

Quando estou suado, melado, derretendo…  meu desejo de montar a barraca e instalar-me vai (numa escala de 0 a 10) aos -7 ou -8.  Ou seja, odeeeeeeeeeeeeio a idéia.  Muito embora saiba que dia desses não terei mais como evitar.  O que quero nessa hora é CHEGAR em algum lugar onde me aguarde uma privada, um chuveiro e à noite uma cama.  Quer saber?  Não sirvo prá cicloturista, pronto, falei!

Daí, como teria de reunir forças para encarar a distância extra quando já estava com os bofes prá fora, voltei alguns metros até um comedor, pensando em almoçar.  Ali havia um garoto deitado do lado de fora, que me cumprimentou quando encostei a magrela. Ele sugeriu que eu a colocasse “mais prá lá”, mas eu a tinha deixado estrategicamente de forma a poder ver a roda dianteira enquanto estivesse lá dentro.

Entrei no ambiente refrescado por um providencial ar-condicionado, e quando olhei a bike tinha caído. Saí para levantá-la… o GPS havia se soltado e estava a dois metros.  O moleque pegou-o e ao entregar-me disse “oh! un celular”.  Não me dei ao trabalho de corrigi-lo.  Peguei-o, instalei-o de volta no guidão e entrei para almoçar.  Foi a última vez que o vi.  O pivete deve estar tentando falar nele até agora.  Como praticamente nunca o havia utilizado (ao contrário do que acontece com o ciclocomputador), não esquentei muito.  Lamentei mais pelo prejuízo financeiro, já que havia custado quase R$ 1.500,00. A última imagem dele tá na foto, ao lado do ciclocomputador,  aí em cima. Agora no guidão ficou só o suporte…

Fui me tocar quando já estava longe.  Pensei em voltar, mas o celeradinho não estaria mais lá e eu não tinha como provar que foi ele.  Paciência.  Segui por uma estrada que tinha até uma ciclovia…

E fui me arrastando (sim, já tá complicado isso…).  Mas muito mesmo.  O sol acaba comigo. Tem horas que as forças te abandonam, as pernas já não aguentam e você tem de descer da bicicleta e empurrá-la a cada subidinha do caminho.  E foi quando passei a ouvir um tum-tum proveniente da roda traseira.  Parei para inspecioná-la.  A princípio não vi nada mas… quando olhei melhor…  um baita furo no pneu.

Caceta!!!  A câmara já aparecendo… e eu entregue de cansaço e ainda a 11 kms do destino. Gelei!  Pensei, “cáspita… se esse pneu estoura agora eu tô na roça”.  E segui pedalando, buscando o asfalto mais liso e rezando para que ele aguentasse.  Mas o tum-tum metia medo.

Mais adiante, quando a água da caramanhola já estava fervendo, parei noutro posto da polícia para pedir “água fria, por favor”.  Os caras me serviram uma água que devia estar preparada para o tereré, porque tava com um gosto de erva delicioso.  E me explicaram direitinho como tinha de fazer para achar o hotel e a bicicletaria assim que entrasse em Apóstoles. Agradeci e fui tum-tumzando cidade adentro.

Surpreendi-me com uma fachada de extremo bom gosto, que ao passar vi tratar-se de um cemitério.  Não deu prá fotografar, mas o nome era Parque de los Apóstoles.  Acho que o cemitério mais lindo que já vi. Entrei na cidade e pareceu-me muito bem cuidada.

Legalzinha mesmo.  Fui direto para o hotel e quando faltava um quarteirão prá chegar PFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFF  (barulhão porque 60 libras é muita pressão).

A mulher da outra calçada assustou-se mas eu, que já esperava por isso, estava feliz de saber que havia um hotel e uma bicicletaria logo ali.  Poderia ter sido muitíssimo pior… Instalei-me, banhei-me e quando fui desmontar a bicicleta para levá-la ao bicicleteiro constatei que o saco de dormir – que estava dentro de um saco de lixo preto – fedia prá caramba. Ele havia ficado ali molhado por três dias, desde a chuva que caiu em Encarnácion.  E é impressionante como isso dá mau cheiro. Ainda bem que o pneu furou, senão talvez o tivesse perdido.

Daí foi só empurrar a magrela até a bicicletaria, deixá-la lá para os devidos reparos e sentar-me numa mesa da calçada para uma merecida cervejinha – dessa vez uma Imperial.  Então constatei que minhas pernas estão numa alergia só…,

… apesar do protetor 50 FPS que venho utilizando (ou talvez quem sabe por causa dele…).  Enfim… pensava em pedalar todos os dias, mas vou ficar por aqui amanhã.  Essa minha ida de Posadas a Buenos Aires já tá totalmente fora da rota no primeiro dia, e acho que vai ser o maior desafio que  encarei até aqui.  Aí prá frente não vai ter nada e eu não transo bem essa situação.

 

 

RESUMO CICLÍSTICO :

DATA: 17. Fevereiro. 2012 / Sexta-feira
LOCAL: Apóstoles (Departamento Misiones, Argentina), ALTITUDE: 151 m
PAISES: 3
POUSOS: 36
TEMPO: Dia muito quente
TEMPERATURA: 37ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 72 km
PAVIMENTO: acostamento sem lombalditas
MÉDIA:  9,5 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA:  58 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 09:30 hs / 17:30 hs
OCORRÊNCIAS: Roubo do GPS, perda do pneu traseiro
TOPOGRAFIA: Muito sobe e desce
CONDIÇÃO FÍSICA: Boa, com alergia nas pernas
DIAS DE ESTRADA: 104
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 74
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 2.057 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 2.057 km

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