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Tendo chegado a Apóstoles, pude constatar que a cidade era de fato muito charmosa.
Caída a noite, a rua principal transformou-se. Num trecho de uns 3 quarteirões fechado ao trânsito foram instaladas caixas acústicas, decorações carnavalescas, cadeiras nas calçadas…
… e aos poucos a população foi chegando. Crianças prá todo lado, sprays “de neve”, famílias reunidas, policiamento… todos no aguardo do início “del corso”, marcado para as 21:30 hs.
E quando chegou a hora, foliões e folionas (?) desceram a avenida demonstrando todo o seu gingado argentino, que prá quem vem do Brasil – não há como negar – deixa um pouco a desejar. Mas a alegria é o que conta.
No domingo ao acordar tive muito custo a convencer-me a sair da cama. Meu corpo recusava-se. Percebi que ele estava seriamente traumatizado pelos pedais ao sol dos últimos dias. Pedais ao sol que alguma parte do meu cérebro insiste em denominar ¨pedais no inferno¨. Mas nesta luta entre eu e minha pessoa, acabei levando a melhor. Levantei-me e em breve já estava rodando pelos 19 kms de íngremes subidas que levavam de volta à RN14, que me conduziria ao sul.
De novidade, além de um pneu e uma câmara traseiros zerados, apenas um par de manetes, aqui chamados punhos, novinhos em folha.
Aos 15 kms eu já estava exausto. Lembro-me de numa das penosas empurradas morro acima ter pensado: ¨Olha aí, você só rodou 15 kms e já está se sentindo destruído. Considere isso no próximo cálculo de distancia¨. Por fim, quando no ciclocomputador faltava muito pouco para 20 kms finalmente avistei a RN-14.
Tomei-a à esquerda e então a topografia aplainou-se consideravelmente.
Em compensação, não havia acostamento.
Foi outra pedalada com pouco prazer e muito esforço. Mas desta vez estas condições adversas dispararam raciocínios duros em minha mente. Passei a olhar com maior realismo o fato de que há tempos não venho extraindo do Projeto Rodas Livres o prazer que, imaginei, extrairia. Somaram-se a estas considerações dois fatos: sinto-me numa espécie de “suicídio financeiro acelerado” e sinto que estaria sendo muito mais proveitosa minha presença no Brasil, onde – como já disse – há uma casa que herdamos, meus irmãos e eu, a ser reformada com urgência.
E sinto ser eu a única pessoa disponível para comandar a obra.
Assim, às portas de Gobernador Virasoro…,
… após 2100 kms rodados, tomei a decisão de encerrar o projeto. Uma parte de mim tentou ainda convencer-me a chegar a Buenos Aires, mas foi em vão. Meu lado racional estava falando mais alto naquele momento e decretou que se era para parar não havia porque perder mais 15 dias na estrada só para “arredondar” a coisa. Decidi que de Virasoro a bicicleta seguiria de caminhão, primeiro até Buenos Aires e dalí de volta para São Paulo. E eu seguiria do que desse, menos com ela.
Parei na entrada da cidade e comi um copázio de salada de frutas, enquanto pensava na decisão que tomara…
Não é fácil abandonar um projeto, mas com certeza não será o primeiro nem o último a não terminar como um dia se pretendeu. Senti vergonha por não concluí-lo. Aliás senti mais vergonha por estar tão absurdamente distante de concluí-lo, mas consolei-me com o pensamento de que tem mérito o fato de eu ter tentado realizar o sonho. Infelizmente, em algum momento ele passou a ser prejudicial.
Teria resolvido todos os trâmites na segunda-feira, não fosse segunda de carnaval. Tudo cerrado, não tive a oportunidade de adiantar nada do que necessitava fazer.
Então saí para conhecer os arredores e deparei-me com uma charmosíssima estação de trem, semi-abandonada, por onde – informei-me – passa apenas um trem semanal, aos domingos.
Embora com reais e cartão de crédito internacional na carteira, estava numa situação precária: tinha pouquíssimos pesos argentinos e iria acabar passando fome muito em breve, já que meu cartão não funcionou em nenhum dos 3 caixas automáticos que achei na cidade. Por sorte, encontrei um restaurante de propriedade de um brasileiro que comprou-me os R$ 250,00 que trazia. Saí dali com 600 pesos, o que me dava alguma margem de segurança.
Na terça-feira o comércio estava mais fechado ainda. E eu começava a preocupar-me porque desta vez não teria mais reais para vender. Foi um dia de chuva, o que serviu para refrescar o calor alucinante que fazia. Passei o tempo todo vendo TV a cabo num hoteleco de 5ª. categoria e isso foi o que salvou o dia. À noite saí para jantar e saborear uma Quilmes.
E hoje, ironicamente quarta-feira de cinzas, comunico-lhes que juntamente com o carnaval acabou-se o Projeto Rodas Livres, uma honesta tentativa de volta ao mundo em bicicleta que infelizmente não chegou sequer a Buenos Aires. Embarquei a bicicleta num caminhão que deverá deixar Virasoro depois de amanhã com destino à capital. E eu seguirei para lá de ônibus, hoje à noite, tendo sido a passagem já comprada.
Então quero aproveitar estes parágrafos finais para tecer algumas considerações e dar algumas satisfações a estes amigos tão valorosos que me acompanharam e incentivaram ao longo desta já longa estrada. Meus queridos, perdoem-me pois sei que deixo “órfãos” muitos leitores fiéis e outros tantos esporádicos. Não tenho palavras para agradecer-lhes por toda esta rica proximidade que partilhamos ao longo de todos estes quilômetros. Não me queiram mal. Eu apenas superestimei minha capacidade (sobretudo financeira) e errei ao anunciar que se tratava de “uma volta ao mundo”. Não fosse isso e o que foram 2000 kms de sucesso não ficariam com cara de fracasso, só porque falei demais.
Bota-fora, entrevistas para a revistas, TVs, CBN… todas essas coisas se voltam contra mim agora. Mas à época eu buscava por um patrocínio. E formatar o projeto como uma volta ao mundo pareceu-me a única maneira de consegui-lo (consegui alguns, mas não o suficiente para manter os custos). E o desejo era ir longe mesmo. Mas a cabeça da gente vai mudando ao longo dos dias, e isso às vezes faz com que alteremos a rota.
O fato o qual me consola é que o pouco que fiz deve ter servido para trazer alguma emoção aos que se deram ao trabalho de ler. Não matei, não roubei… apenas fiquei longe da meta, pelo que me desculpo sinceramente.
Volto para minha cidade um tanto desfalcado, mas feliz por saber que tudo está bem. Provoquei um rombo nas minhas finanças mas disso não me arrependo. Talvez da próxima vez eu tenha condições de fazer um planejamento mais acertado. Valeu, amigos. Obrigadíssimo a cada um de vocês e até a próxima aventura : )
RESUMO CICLÍSTICO (domingo passado) :
DATA: 19. Fevereiro. 2012 / Domingo
LOCAL: Gdor. Virasoro (Departamento Corrientes, Argentina), ALTITUDE: 121 m
PAISES: 3
POUSOS: 37
TEMPO: Dia muito quente
TEMPERATURA: 39ºC
KMs PEDALADOS HOJE: 40 km
PAVIMENTO: asfalto sem acostamento
MÉDIA: 9,5 km/h
VELOCIDADE MÁXIMA: 58 km/h
HORÁRIOS PARTIDA / CHEGADA: 09:30 hs / 14:00 hs
OCORRÊNCIAS: Decisão de encerrar o projeto
TOPOGRAFIA: Relativamente plana
CONDIÇÃO FÍSICA: Boa
DIAS DE ESTRADA: 105
DIAS PARADO (em reportagem, turismo ou descanso): 75
KMs PEDALADOS ACUMULADOS: 2.097 km
QUILOMETRAGEM TOTAL PERCORRIDA (inclui ar + mar): 2.097 km